1 de março de 2010

Apresentação do estudo - 1 de 3 post


Edipe et le Sphinx,
Jean-August Dominique Ingres (1827)

Edipus and the Sphinx after Ingres,

Francis Bacon (1983)

“Em 1983, Francis Bacon (1909-1992) inspirou-se numa composição do famoso pintor francês Jean-Dominique Ingres (1780-1867) sobre o tema mitológico do diálogo entre Édipo e a Esfinge. O empréstimo excepcional do Musée du Louvre tornará possível a confrontação entre a obra de Ingres, OEdipe et le Sphinx (iniciada em 1808 e terminada em 1827) e a obra de Francis Bacon, OEdipus and the Sphinx after Ingres, que pertence a Colecção Berardo”. Mais info aqui


Escolhemos como objecto de estudo, método de educação estética e artística.
Esta pequena experiência formativa, que decorreu no Centro Cultural de Belém na sala onde se expunham os dois quadros, foi uma tentativa de despertar o interesse e entendimento sobre a arte e que culminou num contacto com materiais didácticos no espaço do museu. Cremos que este género de experiências de educação não-formal e as inúmeras interpretações que resultam da presença com obras de arte, contextualizando-as no tempo e no espaço, assim como, questionando os seus métodos e técnicas, tais como estéticas do passado e das várias linguagens artísticas, ajudam a desenvolver a sensibilidade, a fantasia, a criatividade e a imaginação das crianças no seu percurso de desenvolvimento individual.
Se as sociedades do século XXI desejam ter indivíduos que participem activamente na sua cultura, devem empenhar-se numa educação artística que defenda a criatividade e a imaginação das crianças durante todas as fases do seu desenvolvimento, já estudadas por diversos teóricos da educação como por exemplo Piaget.


Dois pintores: Jean–August Dominique Ingres e Francis Bacon

Jean–August Dominique Ingres, nasceu em Montauban em 1780 e morreu em Paris em 1867.
Ainda no princípio da sua carreira frequentou o estúdio de Jaques-Louis David em Paris. Enquanto foi estudante da Academia em Roma e com a obrigação de justificar o dinheiro que recebia do Estado francês enviou alguns quadros para França, entre eles está a primeira versão que fez de Édipo e a Esfinge (1808). Mais tarde Ingres retorna a esta tela ampliando-a em três lados, aumentando a imagem da Esfinge e incluindo a figura de um homem em segundo plano (à direita) e ainda um pé no canto inferior esquerdo.
Foi por definição, um pintor de transição entre o período Neoclássico e o romântico. Acatou as regras do Neoclassicismo em cada pormenor. Desprezava os românticos (especialmente Delacroix). Mas foram os seus trejeitos pessoais, a sua abordagem romântica aos temas clássicos, as suas obsessões e maneirismos que o tornaram proeminente.

Francis Bacon nasce em Dublin em 1909 e morre em Madrid em 1992. Como pintor foi um autodidacta, começou a pintar nos anos 30. Mas o reconhecimento internacional só aconteceu depois da II Guerra Mundial.
Bacon sofreu fortes influências do Surrealismo e da figuração distorcida de Picasso. Imune a teorias e modas exteriores, manteve-se durante mais de meio século fiel à pintura figurativa.
Foi um grande admirador dos pioneiros da fotografia e do cinema: Muybridge, pelas sequências experimentais sobre o movimento dos seres humanos e animais. E principalmente pelo close-up de uma mulher a gritar; e de Eisenstein, pelo “Couraçado de Putemkin”. Estas influencias são bastante visíveis na série dos papas que tem origem no retrato do papa Inocêncio X, de Velázquez de 1650 (Roma, Galeria Dória Pamphilj), mostrando figuras masculinas entrelaçadas, com as suas bocas bem abertas e como que fechados em gaiolas.
As suas obras figurativas e retratistas são distorcidas tanto no aspecto visível como na essência escondida, resultando num assustador diagnóstico da realidade, tornando-a numa natureza expressionista. Mostra rostos de figuras históricas ou contemporâneas retorcidos esbatidos e obscurecidos. Demonstrativos de uma imaginação imensamente fértil. Por exemplo, no quadro Édipo e a Esfinge depois de Ingres, Bacon altera a ordem das figuras tornando o centro do quadro a questão dos pés feridos/inchados, que estão na origem do nome de Édipo.


Édipo e a Esfinge

O episódio desta tragédia que inspirou Ingres e Bacon na realização dos seus quadros, foi o encontro de Édipo com a Esfinge:
Édipo encontrou-a em cima de um rochedo, um monstro sinistro com corpo de leão, asas de águia e cabeça de mulher.
Édipo olhou a Esfinge: “-Diz a tua adivinha!”
A Esfinge grunhiu a adivinha: “ – Qual é a criatura que muda de número de pés? De manhã tem quatro, ao meio-dia dois e à noite três. E quando tem menos é quando é mais forte e mais rápida.”
Fixando no jovem Édipo o seu olhar cruel, franziu as sobrancelhas por não o ver atrapalhado – ele sorriu e respondeu imediatamente: “- A resposta é fácil. É o homem, que em bebé anda a quatro, depois caminha com firmeza sobre dois pés e na velhice tem de se apoiar numa bengala.”
Furiosa por ouvir a resposta à adivinha pela primeira vez, a Esfinge deu um grito agudo, bateu as sinistras asas e desapareceu entre os rochedos para nunca mais ser vista em Tebas.

Experiência prática entre as duas obras e três crianças

Edipus and the Sphinx,
Jean-August Dominique Ingres (1827)

Edipus and the Sphinx after Ingres,
Francis Bacon (1983)


Participantes:
Alice (seis anos)
Laura (seis anos)
Lola (oito anos)
Reacções das crianças



A abordagem utilizada parece ter captado a atenção das crianças sobre diversos aspectos, motivando à partida a procura de informação. O excerto seguinte ilustra que a partir dos estímulos da facilitadora, as crianças procuraram os nomes dos pintores.

Facilitadora - Vamos começar por olhar para estas duas obras. Conseguem saber quem as pintou?
Alice - Sim, mas só naquele o nome dele está lá em baixo na moldura.
F. - E a data?
Laura - Também está na moldura. E aquele (o de Ingres) parece muito mais antigo que este (o de Bacon).

A leitura da história motivou a curiosidade dos participantes. E as perguntas sistemáticas da facilitadora promoveram o seu envolvimento, como ilustram os diálogos:
Facilitadora - Vou contar-vos a história em que estes dois pintores (o Ingres que é o da esquerda e o Bacon, o da direita), se basearam para pintar estes quadros “Édipo e a Esfinge” e “Édipo e a Esfinge depois de Ingres”.
Lola - Naquela pintura a Esfinge é aquela ali com asas.
F. - E ali? (apontando para o quadro de Francis Bacon).
Laura - É aquela ali, também com asas…
F. - Vou começar a ler a história do episódio de Édipo e a Esfinge.
A Esfinge grunhiu a adivinha: “ – Qual é a criatura que muda de número de pés? De manhã tem quatro, ao meio-dia dois e à noite três. E quando tem menos é quando é mais forte e mais rápida.
Alice - Eu sei! É o homem.

Depois da leitura da história, as crianças ficaram mais atentas aos pormenores dos quadros e analisaram detalhes que não tinham sido reconhecidos numa primeira observação:
Lola - Eu vejo ali um pé!
Alice - Onde?
Facilitadora -Ali com a caveira e as costelas em baixo?
Alice - Ah sim, vejo.
F. - Há algumas diferenças entre os dois quadros. Quando se olha para aquele quadro vê-se tudo, a gruta. Ela está num alto, e a cidade lá em baixo.
Alice - E ele não tem nenhuma roupa. Só um lenço.
Lola - Ele aqui já tem umas calças cinzentas e uma camisola, isto chega para o Verão mas no Inverno morria.
Laura - Ele ali não está na rua, está dentro de um quarto. Mas a casa está na rua.
Lola - Está no interior da casa.
F. - Ali está no exterior e ali no interior.
Lola - Eu gostava de saber porque é que a porta está aberta e tem uma mancha lá atrás?
Era o que eu estava a perguntar.
Laura - Não me parece nada bom.
F. - Ele tinha nascido com uma maldição. E sem saber, ele matou o seu pai e casou com a sua mãe.
Lola - Coitado. Por isso é que ele tem os pés com gesso e sangue? Por que tinha a maldição?
F. - O nome Édipo na língua grega quer dizer pés inchados. E quando ele foi encontrado em bebé tinha os pés inchados.
Lola - Então se ele sair do quarto vão acontecer coisas más?
F. - Talvez, não sei. (…)

Quando convidadas a desenhar a partir da história contada pelos quadros, foi possível explorar conceitos e construir sentidos que inicialmente não estavam previstos para a acção. Tal reflecte que este tipo de experiência poderá ser útil para exploração cognitiva e construção do conhecimento das crianças. O excerto seguinte ilustra esta reflexão:
Facilitadora - Querem experimentar desenhar inspirando-se na história e nos quadros?
Alice - O que é inspirar?
Lola - Inspiração é quando tens uma ideia. Estás a ver este quadro, não é? Começas por ele e depois fazes um desenho diferente que quer dizer a mesma coisa.
F. - Por exemplo se te pedisse para fazeres um desenho inspirado na Primavera, o que desenhavas?
Alice - As coisas da Primavera.
F. - Que são o quê?
Alice - Flores, passarinhos, árvores.
F. - Porque é a ideia que tens da Primavera. Para termos inspiração precisamos conhecer. Se nós não tivéssemos vindo aqui as quatro e eu pedisse para fazerem um desenho sobre o Édipo. Vocês não sabiam o que fazer.
Laura - Porque não sabíamos a história.
F. - Mas eu podia contar a história noutro sítio sem estes quadros. E nessa altura se vos pedisse para fazerem um desenho sobre o Édipo. Vocês já sabiam o que desenhar. Mas com a história e estes quadros fazem um desenho diferente. Porque têm mais informação.
Alice - Nós só vamos ver estes dois quadros? Não é quase nada.
F. - Para este tema só temos estes dois quadros.
Alice – E lá em baixo? Há mais exposições?
F. - Sim há outros quadros, outras esculturas, depois podemos ir ver mas, não é sobre isto. E desenhar, querem?
Lola - Vamos, vamos. Eu sei que vou misturar os dois quadros. A esfinge vou fazer do quadro antigo e o Édipo deste com roupa. Podemos desenhar onde quisermos?
F. - Sim podem desenhar no chão ou aqui no banco.

As crianças desenharam livremente usando como material disponível, lápis de carvão e de cor e folhas de papel A4. Podemos ver os resultados nas figuras seguintes.




Desenho de Alice

Desenho de Lola

Desenho de Laura


Em comum, os desenhos tinham o destaque dado às personagens da história. Mostrando o seu interesse pelas mesmas e pela experiência vivida. A observação dos desenhos salienta diferentes níveis de desenvolvimento dos participantes assim como o à-vontade com materiais de pintura e este tipo de actividade. Parece-nos ainda que terão integrado nas suas produções elementos projectivos das suas vivências. Alice ainda desenha o sol e o céu, estereótipos gráficos próprios do desenho das crianças da sua idade (seis anos).








A leitura do objecto de estudo com base na sociologia de Georg Simmel


Edipe et le Sphinx, Jean-August Dominique Ingres (1827)

Edipus and the Sphinx after Ingres,
Francis Bacon (1983)



Georg Simmel (1858 – 1918) nasceu em Berlim no século XIX. Seu pai era um homem de negócios.
Enquanto estudante da Universidade de Berlim estudou, Filosofia, História, Psicologia e Italiano.
Teve um contributo pioneiro para a história da sociologia moderna. Fundou com Max Weber a Sociedade Sociológica Alemã em 1910.
Criou e desenvolveu a sociologia da forma influenciado pela filosofia de Kant.
Para Simmel, a concepção de que a sociedade era apenas uma colecção de indivíduos isolados, não fazia sentido. Para ele, a realidade das sociedades era composta por inúmeros acontecimentos, acções e interacções.
A sociedade não abrange apenas as interacções mais duradouras como o Estado, família e igreja. A sociedade significa que os indivíduos estão sempre relacionados uns com os outros, influenciando e sendo influenciados. Esta acção reproduz-se reciprocamente por determinados instintos ou para determinados fins.

Debruçando-nos no capítulo da Interacção Social no livro de George Ritzer (1996) Sociological Theory e em especial na Geometria Social (p.164, 165), encontramos um paralelo importante com o nosso objecto de estudo – A díade e a tríade.
Na Sociologia Formal, Simmel desenvolve uma “geometria” social das relações, em especial, os números e a distância.
Os números interessaram a Simmel enquanto impacto na qualidade das suas interacções e tem visibilidade na sua exposição dos conceitos de díade (grupo de duas pessoas) e tríade (grupo de três pessoas).
Na díade não existe uma estrutura de grupo independente, cada membro tem um alto nível de individualidade (por exemplo: a relação; mãe, filho). Mas a tríade tem a faculdade de obter um significado que vai para além dos indivíduos envolvidos. Existe uma maior ameaça para a individualidade dos membros.
Com a introdução de um terceiro elemento no grupo, aparece a possibilidade de um novo número de papéis sociais. Por exemplo. O terceiro elemento pode ter um papel de árbitro numa resolução de problemas do grupo. Pode tornar-se num objecto de competição dos outros membros do grupo. Ou, intencionalmente, forçar um conflito entre os outros dois indivíduos com o objectivo de ganhar superioridade sobre eles. Pode surgir um sistema de estratificação de onde emerge uma estrutura de autoridade.
O movimento da díade para a tríade é essencial para o desenvolvimento de estruturas sociais, que se podem separar e dominar indivíduos. Essa possibilidade não existe na díade.
As sociedades emergem, portanto, na transição da díade para a tríade e continuam a crescer para grupos maiores. Nestas grandes estruturas sociais, o indivíduo, está cada vez mais separado da sua estrutura social, crescendo mais sozinho, isolado e segmentado.
A contradição, é a sociedade permitir um aparecimento do individual e da autonomia, mas ao mesmo tempo impedir esse acontecimento por ser uma massa social.
Existe na teoria de Simmel uma atitude ambivalente no impacto da dimensão do grupo. Por um lado, o crescimento do grupo dá mais liberdade individual. Um grupo pequeno controla o indivíduo por completo. Contudo, numa grande sociedade o indivíduo tem tendência a envolver-se em pequenos grupos. Com por exemplo; as famílias.

Deste paradigma, interessa-nos em particular - A tríade - visto que, a tragédia do Édipo Rei, escrita por Sófocles no século V a.C. emerge de uma tríade familiar (Pai, Mãe e filho). E a tragédia do fatídico destino que o oráculo houvera preconizado, Édipo acaba por matar o seu pai e casar com a mãe.
Usaremos as palavras de José Ramos Coelho (2005) para um breve enquadramento da tragédia grega Édipo Rei:
“Édipo nasceu em um lar amaldiçoado. (…)
Laio sabia que não podia gerar um filho, pois se o fizesse, este iria matá-lo. É por esse motivo que, tão logo nasce a criança do ventre de Jocasta, é enjeitada, tem os pés amarrados (ou, noutra versão, perfurados e atados com uma correia), donde resultou uma inchação e um ferimento indelével que a marcará para sempre. Ela é entregue a um servo para que a abandone à própria sorte. (…)
O servo, porém, apieda-se com a triste sorte da criança, entregando-a a um pastor de Corinto, o qual a leva para os seus reis, Pólibo e Mérope, que, não tendo filhos, a adoptam como se ela tivesse sido por eles gerada. Por ter os pés inchados, ele é chamado de Édipo (Oidípous, de oidi = inchado + pous = pés). Sua renomeação é tanto ocultadora de sua origem (pois recebe outra nomeação) quanto reveladora (por aludir às feridas que adquiriu ao nascer, inscrição no corpo da rejeição parental).” (Coelho, 2005, p. 53)

Outra preocupação da geometria social de Simmel era a distancia. Na Philosophy of Money, ele enuncia alguns princípios acerca do valor – e do que faz as coisas valiosas – base para a análise do dinheiro. O ponto essencial desta teoria é que o valor das coisas está determinado pela distância do autor. Nada é valioso se estiver demasiado perto ou, se for demasiado fácil de obter ou, muito distante e muito difícil de adquirir.
Os objectos que são atingíveis, mas só com grande esforço, são os mais valiosos.
A distância tem também um papel fundamental no livro, The Stranger, um ensaio sobre um tipo de autor que não pode estar nem demasiado perto nem demasiado longe. Se estiver demasiado perto já não é um estranho. Se estiver demasiado longe, já não terá qualquer contacto com o grupo.

Este fenómeno é visível no campo das Artes Plásticas e no valor que as obras atingem no mercado da arte. Assim como, o nosso conhecimento sobre a História da Arte. Podemos aqui verificar que a pintura de Ingres estando já tão longe do seu autor tem um valor incalculável. Mas a obra de Bacon é mais atingível?
Não podemos também reconhecer um estilo ou um pintor se não conhecermos a que época pertence. Mas se esse pintor estiver ainda em desenvolvimento e não fizer parte da sociedade artística também não temos ferramentas para o reconhecer dentro de uma tendência.

Pelo ponto de vista de Simmel em relação às suas análises sobre o fenómeno da arte, ele só se interessa pela obra singular enquanto reveladora do artista.
Ingres acreditava que a “força interior” da personagem poderia ser expressa por um único traço no contorno. Por isso preferia desenhar as figuras de perfil usando uma sinuosa linha contínua, é exemplo dessa expressão a figura de Édipo na pintura Édipo e a Esfinge.
No quadro Édipo e a Esfinge depois de Ingres, Bacon altera a ordem das figuras tornando o centro do quadro a questão dos pés feridos/inchados, que estão na origem do nome de Édipo. Assim como Édipo foi rejeitado pelo seu pai, “deixando marcas profundas na alma do filho indefeso.” (Coelho, 2005, p. 53) Também Bacon foi repudiado por seu pai e obrigado a sair de casa quando este o encontrou a experimentar as roupas da mãe em frente ao espelho.


Mais alguma informação sobre George Simmel aqui, aqui e também aqui.