1 de março de 2010

Experiência prática entre as duas obras e três crianças

Edipus and the Sphinx,
Jean-August Dominique Ingres (1827)

Edipus and the Sphinx after Ingres,
Francis Bacon (1983)


Participantes:
Alice (seis anos)
Laura (seis anos)
Lola (oito anos)
Reacções das crianças



A abordagem utilizada parece ter captado a atenção das crianças sobre diversos aspectos, motivando à partida a procura de informação. O excerto seguinte ilustra que a partir dos estímulos da facilitadora, as crianças procuraram os nomes dos pintores.

Facilitadora - Vamos começar por olhar para estas duas obras. Conseguem saber quem as pintou?
Alice - Sim, mas só naquele o nome dele está lá em baixo na moldura.
F. - E a data?
Laura - Também está na moldura. E aquele (o de Ingres) parece muito mais antigo que este (o de Bacon).

A leitura da história motivou a curiosidade dos participantes. E as perguntas sistemáticas da facilitadora promoveram o seu envolvimento, como ilustram os diálogos:
Facilitadora - Vou contar-vos a história em que estes dois pintores (o Ingres que é o da esquerda e o Bacon, o da direita), se basearam para pintar estes quadros “Édipo e a Esfinge” e “Édipo e a Esfinge depois de Ingres”.
Lola - Naquela pintura a Esfinge é aquela ali com asas.
F. - E ali? (apontando para o quadro de Francis Bacon).
Laura - É aquela ali, também com asas…
F. - Vou começar a ler a história do episódio de Édipo e a Esfinge.
A Esfinge grunhiu a adivinha: “ – Qual é a criatura que muda de número de pés? De manhã tem quatro, ao meio-dia dois e à noite três. E quando tem menos é quando é mais forte e mais rápida.
Alice - Eu sei! É o homem.

Depois da leitura da história, as crianças ficaram mais atentas aos pormenores dos quadros e analisaram detalhes que não tinham sido reconhecidos numa primeira observação:
Lola - Eu vejo ali um pé!
Alice - Onde?
Facilitadora -Ali com a caveira e as costelas em baixo?
Alice - Ah sim, vejo.
F. - Há algumas diferenças entre os dois quadros. Quando se olha para aquele quadro vê-se tudo, a gruta. Ela está num alto, e a cidade lá em baixo.
Alice - E ele não tem nenhuma roupa. Só um lenço.
Lola - Ele aqui já tem umas calças cinzentas e uma camisola, isto chega para o Verão mas no Inverno morria.
Laura - Ele ali não está na rua, está dentro de um quarto. Mas a casa está na rua.
Lola - Está no interior da casa.
F. - Ali está no exterior e ali no interior.
Lola - Eu gostava de saber porque é que a porta está aberta e tem uma mancha lá atrás?
Era o que eu estava a perguntar.
Laura - Não me parece nada bom.
F. - Ele tinha nascido com uma maldição. E sem saber, ele matou o seu pai e casou com a sua mãe.
Lola - Coitado. Por isso é que ele tem os pés com gesso e sangue? Por que tinha a maldição?
F. - O nome Édipo na língua grega quer dizer pés inchados. E quando ele foi encontrado em bebé tinha os pés inchados.
Lola - Então se ele sair do quarto vão acontecer coisas más?
F. - Talvez, não sei. (…)

Quando convidadas a desenhar a partir da história contada pelos quadros, foi possível explorar conceitos e construir sentidos que inicialmente não estavam previstos para a acção. Tal reflecte que este tipo de experiência poderá ser útil para exploração cognitiva e construção do conhecimento das crianças. O excerto seguinte ilustra esta reflexão:
Facilitadora - Querem experimentar desenhar inspirando-se na história e nos quadros?
Alice - O que é inspirar?
Lola - Inspiração é quando tens uma ideia. Estás a ver este quadro, não é? Começas por ele e depois fazes um desenho diferente que quer dizer a mesma coisa.
F. - Por exemplo se te pedisse para fazeres um desenho inspirado na Primavera, o que desenhavas?
Alice - As coisas da Primavera.
F. - Que são o quê?
Alice - Flores, passarinhos, árvores.
F. - Porque é a ideia que tens da Primavera. Para termos inspiração precisamos conhecer. Se nós não tivéssemos vindo aqui as quatro e eu pedisse para fazerem um desenho sobre o Édipo. Vocês não sabiam o que fazer.
Laura - Porque não sabíamos a história.
F. - Mas eu podia contar a história noutro sítio sem estes quadros. E nessa altura se vos pedisse para fazerem um desenho sobre o Édipo. Vocês já sabiam o que desenhar. Mas com a história e estes quadros fazem um desenho diferente. Porque têm mais informação.
Alice - Nós só vamos ver estes dois quadros? Não é quase nada.
F. - Para este tema só temos estes dois quadros.
Alice – E lá em baixo? Há mais exposições?
F. - Sim há outros quadros, outras esculturas, depois podemos ir ver mas, não é sobre isto. E desenhar, querem?
Lola - Vamos, vamos. Eu sei que vou misturar os dois quadros. A esfinge vou fazer do quadro antigo e o Édipo deste com roupa. Podemos desenhar onde quisermos?
F. - Sim podem desenhar no chão ou aqui no banco.

As crianças desenharam livremente usando como material disponível, lápis de carvão e de cor e folhas de papel A4. Podemos ver os resultados nas figuras seguintes.




Desenho de Alice

Desenho de Lola

Desenho de Laura


Em comum, os desenhos tinham o destaque dado às personagens da história. Mostrando o seu interesse pelas mesmas e pela experiência vivida. A observação dos desenhos salienta diferentes níveis de desenvolvimento dos participantes assim como o à-vontade com materiais de pintura e este tipo de actividade. Parece-nos ainda que terão integrado nas suas produções elementos projectivos das suas vivências. Alice ainda desenha o sol e o céu, estereótipos gráficos próprios do desenho das crianças da sua idade (seis anos).








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